Como Solar Com Flow

Por Emiliano Gomide
GuitarCoast



Definição: "Flow é um estado ótimo de consciência onde sentimos o nosso melhor e fazemos o nosso melhor". Steven Kotler


Flow é uma coisa que só quem já experimentou sabe o que é

Trata-se de algo que não se pode ver, apenas sentir. Flow está em todas as atividades, mas é especialmente relevante para aquelas em que não queremos pensar em cada passo que estamos dando. Isso faz toda diferença. Imagine um surfista descendo uma onda de 10 metros a uma velocidade absurda. A onda se transforma a cada milésimo de segundo, tornando-se algo novo a cada instante. A prancha em seus pés treme o tempo todo e seu equilíbrio é desafiado continuamente. Muitas vezes essa experiência da onda gigante dura apenas alguns segundos e mesmo que o surfista pratique por décadas, ele nunca verá a mesma onda duas vezes. Então, como se sair bem numa situação dessas?

E o que isso tem a ver com solos de guitarra?

Comecei esse artigo falando do surfista porque essa é uma situação que todo mundo consegue visualizar e entender como é complexa e rápida. Nesse tipo de experiência, o cérebro também precisa agir de uma forma complexa e rápida. Ele precisa entrar em FLOW.

Na guitarra e violão, vivemos essa mesma situação, mas com bem menos adrenalina. Assim como o surfista, quando estamos solando, especialmente em solos rápidos, precisamos tomar 10 decisões em 1 segundo. Para começar, o mais óbvio é que o tempo todo estamos fazendo dois movimentos completamente diferentes com cada mão, e eles precisam estar profundamente sincronizados. Precisamos abafar as cordas que não estão sendo tocadas para que elas não gerem ruídos indesejados. Precisamos palhetar cada nota com a força certa, umas mais fortes, outras mais fracas, para gerar aquela sensação de um som natural, que flui como em uma conversa. Agora, os dedos da mão esquerda, que pressionam cada nota no braço da guitarra. Você sabe que, se botamos pouca pressão nos dedos, as notas não soam bem, e se apertamos muito, o movimento fica travado. Mas, finalmente chegamos a melodia. Afinal, música é algo sublime, difícil de explicar. Ela deve produzir efeitos em nosso ser, alterar a forma como nos sentimos. E como fazer isso acontecer enquanto estamos tocando? Numa situação de improviso, onde vocâ está criando um solo ao mesmo tempo em que a música está rolando, a melodia deve ser criada instantaneamente, e ela tem que fazer sentido. Quem escuta não pode nem desconfiar que você está criando algo na hora. Não pode ter erro, nem técnico, nem melódico. Um detalhezinho estraga tudo. Ou... transforma tudo... para algo totalmente inesperado.

Um improviso precisa ter esse elemento de surpresa

Um improviso precisa ter esse elemento de surpresa para a própria pessoa que está tocando, pois é essa capacidade de se deixar surpreender com suas próprias notas que permite você entrar num estado onde as coisas vão acontecendo através de você, como se você virasse um condutor por onde a música flui. O resultado é maravilhoso - um solo que estará gravado para sempre e que você e outras pessoas poderão escutar e sentir prazer.

Tudo que narrei é algo que conseguimos fazer graças a um mecanismo de nossa mente, que nos coloca num estado de alta performance, onde nos sentimos incrivelmente bem no que estamos fazendo. Às vezes, essa sensação dura pouquíssimos segundos e, quando passamos por algo assim, passamos a vida inteira tentando gerar essa sensação novamente. E será que conseguimos?

Esse é o estado de FLOW

Não é uma coisa simples que ocorre. Na verdade, quando entramos em flow, inúmeras mudanças químicas ocorrem dentro de nós. Hormônios e neurotransmissores são produzidos em nosso corpo e nos fazem sentir algo extasiante, como se fosse um chamado para fazer algo maior. Certas áreas do cérebro são inibidas para que as coisas fluam. Em situações onde um décimo de segundo faz diferença, não dá tempo de ficar parando pra pensar "será que estou fazendo a coisa certa?". É necessário entrar num estado de alta confiança, onde você faz as coisas com tanta naturalidade, que é como se elas estivessem em piloto automático. Você não está pensando em cada movimento, você está apenas fazendo. Múltiplos estímulos fluem através de você e, em tempo real, você consegue tocar um solo que nunca existiu.

Agora, o FEELING

E isso nos leva a uma palavra que já conhecemos, o FEELING, que na minha definição é tocar as notas certas, na hora certa, da forma certa. É claro que não existe certo e errado, mas aqui quero dizer que feeling é quando você é capaz de tocar de uma forma que, para quem escuta, soa inexplicavelmente bem. 

FLOW e FEELING são diferentes

Flow é esse estado mental que descrevi acima, que ocorre em diversas atividades, seja música, surfe, vídeo-game, escrever um livro, etc. Feeling é relacionado ao flow. Apesar de não ser necessário entrar em estado de flow para tocar com feeling, quando isso ocorre, quando você junta os dois, o resultado é impressionante. É quando, por exemplo, alguém toca com grande habilidade e, ao mesmo tempo, cria um solo bonito, tão melódico que chega a fazer você sentir um arrepio.

Mas, em certas situações, para solar com feeling, é necessário estar em flow. Simplesmente, não funciona tentar seguir uma linha racional e agir de forma puramente mecânica. Dizem que para ser criativo é necessário deixar seus julgamentos de lado por um momento. Na música isso também é verdade. Imagine que experiência chata seria compor uma música tentando pensar puramente de forma racional, tentando julgar nota por nota e ver se elas estão de acordo com supostas regras que você aprendeu? Eu prefiro encarar as regras como guias, que podemos seguir ou não. E, num estado de flow, essa necessidade intensa que temos de aprovação é temporariamente desligada. Teoricamente, fica mais fácil ser criativo. E fica mais fácil se permitir sentir coisas, entender isso e transmitir para o instrumento.

Como solar com FLOW?

Em situações complexas, precisamos pensar em blocos. Durante um solo, não pensamos em cada pequeno detalhe dos bends e vibratos, apesar de cada um deles ter sua individualidade. Nós simplesmente fazemos do jeito que sentimos que será melhor. Precisamos saber como sentimos cada nuance de um bend ou vibrato e que efeitos eles geram. Para isso, precisamos ter em nossa memória sensorial um arsenal de experiências, isto é, tocar e tocar e observar cada detalhe.

Outro exemplo sobre pensar em blocos são as escalas. Cada escala é um bloco com notas prontas para gerar certa sonoridade. Quando você escolhe usar a escala pentatônica, por exemplo, você sabe como ela vai soar. 

E continuamos indo mais além com os blocos. Para cada escala, temos desenhos diferentes (ou 'shapes'). Então, num solo de rock, por exemplo, primeiro escolhemos certa escala pentatônica, e depois escolhemos determinado desenho dessa escala para uma parte do solo.

Devemos parar por aí? 

Ou podemos continuar criando e usando outros blocos? Podemos sim, claro!

Os licks prontos são outro exemplo de blocos, mais avançados, pois já contêm notas que criam frases inteiras e com algum sentido musical. Pode parecer que licks desincentivam a criatividade, mas é justamente o contrário. Um lick que você conhece é como uma palavra nova em seu vocabulário que permite você se expressar melhor. Você, como guitarrista ou violonista que quer melhorar seus improvisos, precisa melhorar seu repertório de ideias e vocabulário de frases. São elas que serão acessadas e modificadas quando você entrar em estado de flow. Afinal, milagres não acontecem. Você colhe o que planta.

Você fica restrito às suas limitações físicas

Outro ponto é que, mesmo em estado de flow, você fica restrito às suas limitações físicas. Se você nunca treinou certa técnica, ou nunca tocou em determinado tempo, mesmo que no estado de flow as coisas fiquem "mais fáceis", você não vai magicamente aprender algo que nunca praticou. É aí que entra o treino do dia-a-dia, para melhorar sua técnica e expandir seus horizontes musicais.

Mas, e como entrar em flow?

Flow não ocorre simplesmente apertando um botão ou girando uma chave. Flow é uma consequência de uma cadeia de acontecimentos. Existem duas vertentes. Uma é quando você se vê numa situação onde você entrou em flow sem esforço, como se algo tivesse acontecido, e você simplesmente flui naquilo que está fazendo. Outra é quando você cria uma cadeia de eventos que vai culminar em um estado de flow planejado. Por exemplo, você pode treinar seus solos todo dia para que no dia da gravação da sua banda você entre nesse estado e consiga tocar de forma perfeita. A repetição e a experiência sensorial vão criar reações instintivas em você e parecerá que seus dedos estão sendo magneticamente atraídos para tocar da melhor forma, como um rio seguindo seu fluxo normal.

Você já escutou o solo de Sweet Child O' Mine do Guns N' Roses? Algumas pessoas acham que ele foi escrito nota por nota. Eu não sei, mas prefiro acreditar que o Slash tocou esse solo de forma natural e que as ideias foram fluindo uma após a outra.

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